sábado, 20 de fevereiro de 2010

À descoberta

    "A minha família era rica, eu tinha tudo o que queria, todos os bens, todos os materiais. Só isso chegava e interessava, não queria mais nada a não ser tudo o que pedia, por rapariga mimada e pela visão egocêntrica que me pertencia.

    O meu pai tentava acariciar-me e dar-me algo de maior valor sentimental, mas eu não queria, a mim não me interessava nada disso a não ser a riqueza e o luxo de vida que tinha.
    Há dois anos o meu pai faleceu, aquele que me queria ensinar a comportar-me sem materiais que não eram essenciais. Fiquei com a minha mãe, vivíamos juntas na mesma casa, ela começou a deixar-se levar mais pela luxúria que continuávamos a ter e ainda mais pela herança que ficou. Mais do que eu, começou a “esbanjar” o dinheiro em álcool. Mesmo atacada pelo luxo que vivia com o meu pai (ao contrario de mim) dava valor ao amor que ele lhe dera todos os momentos passados juntos, deixando-se cair na mágoa, tristeza e sofrimento pela falta que o meu pai lhe fazia. Para ela a solução passou a ser beber, até se tornar na doença de não a deixar viver.
    Eu e o meu egocentrismo, não queria ligar, até ao dia que me começou a faltar. A faltar aquilo que para mim era o essencial, o dinheiro, o amor perdido de maior parte da humanidade, aquilo que precisava para puder comprar e puder ter tudo aquilo em que me queria “banhar”, mas que agora a minha mãe tratava de gastar. No dia que pela primeira vez senti realmente que precisara de uma única “atençãozinha” que fosse e que talvez ela, minha Mãe, fosse a única nesta hora que me pudesse dar, por meu pai também já não estar, ERA TARDE! Agora trocam-se os papeis e o egocentrismo do humano passa a ser dela e o vicio que a completara, acabando por se ficar e cair no falecimento que a acabava de embebedar pelo seu sofrimento.
    Família e amigos, nem os ver!
    Acabada a viver sozinha sem saber o que fazer, por não ter querido querer. O dinheiro a apertar e todos os meus bens a escapar, tudo aquilo que me completava era-me agora retirado, deixando também a casa levar e começando a garrafa a agarrar. Agarrando-a na forma de sofrimento e culpa pelo meu embebedar de EU, EU e só EU, apenas queria e tinha de ser só EU.
    CHEGADA À RUA: mais que a rua, a solidão, o desamparo sem a mão daqueles que me a quiseram dar.
    Há três dias que me afogo nas ruas sem fim. As pessoas passam, o barulho dos carros a rodar e minha mente a querer acordar
    Roubar para beber
    Pedir para “comer”
    Pintar para me tentar satisfazer, acabando sempre por me derreter.
     O olhar das pessoas com desdém com pena de quem não tem. Quem não tem o amor e protecção de alguém! Sim, agora sim até o meu olhar assustador, sofredor e aterrorizado de tanta revolta de um passado mal passado dava para sentir o paladar seco, sabendo a tabaco encontrado e álcool respigado que formam agora o meu hobbie de rotina transformado. A sede era saciada por aquilo a que me dedicava, a fome era tapada se arranjava, se não... dormia para que não sentisse nada. “Nada” era agora a minha pessoa, agora, mas vinda de há já muito atrás quando caia no pensamento de não dar importância a quem era capaz de me continuar a agradar pelo amor sentido que sempre me queria dar. Vestida ainda com roupas que mantenho e outras que fui encontrando, pois por mais manias que tenha agora, já não é o mesmo, agora é verdade, “É a Vida!”, dura e sofredora por onde já devia ter aprendido a passar para que em qualquer situação não me fizesse cair neste caminho sem solução. Cheiro insuportável mas já habituado, rosto deslavado, pele seca, cabelo oleoso escorrendo pela mágoa que me havia agora ter enfiado."




    Continua…